terça-feira, setembro 17, 2013

“O Mordomo” ou a verdadeira aula de história



Para quem não viu, pare imediatamente de ler este texto e vá ver! Ontem já era tarde!
Dizem as más línguas, que até o Obama chorou!


Para quem viu, mas não se deu ao trabalho de investigar:
Não, Cecil Gaines não é o verdadeiro nome do tal mordomo que serviu oito presidentes americanos, de Harry S. Truman a Ronald Reagan.

O verdadeiro mordomo é Eugene Allen.

Eugene esteve casado durante 65 anos com Helene, mas não teve dois filhos, teve apenas um, de seu nome Charles, o qual não era nenhum activista dos direitos civis ou membro dos Black Panther, ou sequer lutou pelo seu país na guerra do Vietname.

São várias as diferenças entre a realidade e a ficção. O filme é apenas baseado em factos verídicos. “So what”? O filme não está colado à vida de Eugene Allen e o enredo é em grande parte ficção, porque se pretende algo mais do que o simples retrato da vida de um mordomo (ainda que não um mordomo qualquer). Se querem um filme alegadamente biográfico, vejam o novo filme sobre a princesa do povo, “Diana” de Oliver Hirschbiegel.

Os efeitos dramáticos (e um dos motivos por que adoro ficção) favorecem um objectivo maior, o objectivo didáctico: o de relembrar ao mundo o longo e tortuoso caminho que os negros da América atravessaram até ao aparecimento da Lei dos Direitos Civis em 1965. O filme relembra o Bloody Sunday, o KKK, as leis Jim Crow e a segregação, relembra a luta de Martin Luther King, relembra que apesar de a América se achar a balança do mundo também teve os seus próprios campos de concentração durante mais de 200 anos.

Mais, fica no ar que, apesar das conquistas de direitos e liberdades por partes dos afro-americanos, apesar da eleição de Barack Obama, muito ainda há a fazer por esse mundo fora.

A posição de Eugene Allen dentro da Casa Branca, convivendo de perto com oito presidentes norte-americanos, assistindo de perto a alguns dos maiores eventos na história da América, é apenas o apetrecho escolhido para uma das melhores apresentações do tema Direitos Civis/Direitos Humanos alguma vez feitas no cinema.

Vi o “Mordomo” um dia depois de rever pela enésima vez o “Uma Questão de Honra” , aquele dos 80´s, protagonizado por Tom Cruise e Jack Nicholson (ainda hoje estremeço com o “you can´t handle the truth”), e confesso que continuo a ter uma certa dificuldade em lidar com esta história da subserviência. Esta coisa de servir os desejos ou ordens de outrem, “no questions asked”, sempre me fez confusão.

Até nisso Lee Daniels se sai bem, apesar do "põe um sorriso no olhar dos teus senhores". Lee Daniels faz de Cecil Gaines um herói, tímido, mas mesmo assim um herói. Pelas palavras de Martin L. King ( protagonizado no filme por Nelson Ellis) nasce a convicção de que Cecil não é um subserviente, mas um agente de subversão, alguém que, pelo gosto e orgulho naquilo que faz e porque o faz melhor do que ninguém, subverte e revoluciona mentalidades e os preconceitos de que os negros são seres inferiores.

Cecil é a prova de que o acto de servir outra pessoa pode ser um prazer. Um prazer nos rituais, nas formalidades, no rigor, no compasso. Um prazer pela perfeição de bem servir. Ou como diria Martin Luther King, himself, “not everybody can be famous, but everybody can be great, because greatness is determined by service”.

Vi “o Mordomo” na companhia de uma pré-adolescente curiosa que me encheu de perguntas o filme inteiro, porque para o seu mundo todo aquele drama, aquela injustiça, a coragem e a bravura eram novidade. Saiu da sala de cinema mais informada, mais atenta em relação ao racismo e, espero eu, menos injusta em relação a todo e qualquer ser humano. Para ela, que detesta a disciplina de história, esta foi com certeza uma das melhores aulas que já teve.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Diz o que te vai na alma