quinta-feira, outubro 19, 2017

#metoo

Tinha cerca de 12 anos.
Tinha mudado de cidade e de escola no decorrer daquele ano.
Ao contrário da escola antiga para onde ia a pé bastando apenas atravessar a casa do vizinho e a estrada, para a nova escola tinha de ir de autocarro.
As aulas começavam às 8.15h, pelo que apanhava o transporte um pouco antes das 8.00 da manhã.
Vinha dos arredores de Lisboa e na capital tudo era novo para mim. O autocarro cheio, o jogo do empurra, o salve-se quem puder.
No início, algumas vezes acabei por ficar em terra à espera do próximo autocarro, devido à minha dificuldade em empurrar e esmagar as pessoas que já lá estavam.
Não tinha muitas opções: ou o 17B que partia das Galinheiras ou o 36 que já vinha de Odivelas a rebentar pelas costuras.
Depressa tive de abrir a pestana. Se não queria chegar atrasada às aulas, tinha de fazer como os outros: empurrar até caber.
Eram apenas 4 paragens, mas foi o suficiente para aquele dia me marcar para o resto da vida.
Numa dessas viagens, enlatada que nem uma sardinha, eu e a maior parte dos passageiros que iam de pé, sinto um certo desconforto provocado pela pessoa que está atrás de mim. Sinto-o demasiado próximo. Sinto ainda mais porque ele aproveitava os solavancos do autocarro para se encostar e esfregar. Tento mudar de posição, mas cada vez o sinto mais próximo. Tento pedir passagem dizendo que estou para sair. Tenho pressa em chegar à porta traseira. Finalmente a minha paragem.
Saio e caminho em direcção à escola, confusa, sem saber o que se tinha passado, sem saber interpretar muito bem se tudo aquilo tinha sido apenas impressão minha ou algo mais que eu ainda não percebia muito bem o que era. Já no passeio, ouço atrás de mim:
- Então gostaste?
Olho para trás para ver quem era.
- Soube-te bem? A mim soubeste-me..
Era ele. O homem que me tinha deixado desconfortável no autocarro.
Leva a mão à braguilha com um ar de satisfação e .... eu desato a correr em direcção ao portão da escola num misto de pânico, confusão e necessidade de desaparecer dali.
Só parei à porta da casa de banho onde me sentei no chão a chorar.
Não percebia o que tinha feito.
Não percebia por que razão aquele homem me tinha feito aquilo.
Afinal não tinha sido uma mera sensação estranha. Afinal a minha intuição, com apenas 12 anos, estava certa.
Não pedi ajuda, não chamei ninguém. Tinha um misto de raiva e culpa dentro de mim.
Apenas tive coragem para contar à minha mãe, já à tarde, quando cheguei a casa vinda da escola.
Disse-me:
- Amanhã é o teu pai que te leva à escola, e se o vires outra vez dizes ao pai quem ele é.

Nunca mais o vi! Não sei se feliz ou infelizmente.

Nunca tive a oportunidade de o denunciar, mas daí em diante, inventei truques, criei defesas durante aquele trajecto.  Entre o ir encostada a um homem ou uma mulher, as senhoras inspiravam-me mais confiança; entre o ir encostada a um homem ou à porta de saída do autocarro preferia a porta (mesmo que corresse o risco de ela abrir); quando não havia outra escolha ficava de frente, onde pudesse olhá-lo nos olhos, onde pudesse analisar todos os seus movimentos. Era preferível do que ficar de costas.

Uma coisa lhe agradeço: abriu-me a pestana para o quanto alguns homens são nojentos. Ensinou-me que nem todos os homens são normais. Há-os doentes. Muito doentes.



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