Toda a comida precisa de uma pitada de sal, toda a vida precisa de um toque de limonada.
A Limonada da Vida
quarta-feira, junho 03, 2015
Uma Manhã no Tribunal
Aproximo-me do balcão, ninguém no atendimento. Três ou quatro secretárias vazias, mais duas ocupadas por indivíduos tão focados nos seus afazeres que nem dão pela minha presença. Espero. Tiro a notificação da mala e poiso em cima do balcão. Espero. Ninguém tira os olhos do monitor. Ando de um lado para o outro para ver se os meus movimentos os tira daquele adormecimento. Espero. Nem um pestanejo. Espero. Analiso o local, o edifício é recente pelo que ainda não tem aquele cheiro a mofo e a papel antigo. Espero. Observo as pessoas que o habitam, os sinais de proibido fumar, proibido usar o telemóvel, proibido isto, proibido aquilo!
De repente, deparo-me com isto!
Ri-me ao imaginar o focinho de Bulldog do "proprietário" desta secretária. Pelo menos tem sentido de humor! Haja alegria no trabalho.
Espero...
Se eu desatasse a fotografar, podia ser que alguém desse por mim...Bem dito, bem feito!
- A senhora, faxavor?! É para quê?
- É para vir testemunhar por videoconferência...
- Sim senhora, é por aqui!
(Já sabem, sempre que vos ignorarem numa qualquer repartição pública, desatem a fotografar o local!)
Dirigi-me à sala de espera e esperei novamente. Estas coisas nunca são a horas, e como quem vai pró mar avia-se em terra, estive grande parte do tempo entretida a ler "Sputnik meu amor" do Murakami. Todavia, aqueles corredores são de uma agitação brutal. Muitos Bom dia, sr. doutor! Como está?
Nas cadeiras próximas de mim, à minha direita esperam três pessoas. Um atende o telefone e diz (impossível não ouvir) enquanto os outros riem:
- tou... sim, estou no tribunal de Loures. Estou com a minha advogada e um elemento do sindicato... É por causa de uma gaja que decidiu pedir uma indeminização por danos morais, mais 153.64€ de deslocação ao hospital..... então ela chamou-me vigarista dentro do autocarro, e eu chamei-lhe uma carrada de outras coisas... sim, então e depois dei-lhe uns murros e um pontapé para a tirar do autocarro... não, olha vou passar à minha advogada, fala aqui com ela!
(Isto é que é um processo como deve ser. Não é nada daquelas tretas burocráticas como penhoras e arrestos, ou insolvências e impugnações. Isto sim, é um processo à seria!)
Não consigo ler mais e já não tenho posição de estar. Dá-me a fome, vou vaguear pelos corredores do Tribunal à procura de qualquer coisa para trincar, não sem antes avisar um dos funcionários do Tribunal que ia sair por uns minutos.
Só encontro máquinas de café e chocolates, e uma máquina de gelados... Shit! Agora entendo o índice de massa gorda por metro quadrado. Se trabalhasse aqui trazia marmita de casa todos os dias!
De dentro de um gabinete, que à porta tem escrito "Secretário de Justiça", ouvem-se vozes de repreensão:
- Já lhe disse que as faltas são para se registar até às 9.20h!
- Mas eu pensei...
- Não pense! Não pense que o regulamento não é para pensar, é para cumprir o que lá está!
Vou à rua espreitar se anda por ali o pessoal da Emel, que o ticket do estacionamento já expirou há muito e eu não tenho mais moedas.
Á porta do tribunal estão mais de dez ciganos e ciganas, de todas as idades, grandes e pequenos, seguramente uma família inteira, do neto ao avô, passando pelas cunhadas, primos e primas. Depois de me tirarem as medidas por inteiro, elas fixam os olhos nos meus pés e, sem a mínima preocupação em baixar o tom de voz, uma delas comenta "olhá sandália!". A curtir-me as sandálias, à descarada!
Volto para a sala de espera.
- Andei à sua procura
- mas eu fui só ali...
- pois, mas eu andei à sua procura!
- mas eu disse ao seu colega que ia só ali comer...
- agora não interessa nada, está dispensada!
Em breve, Uma Manhã no Tribunal parte II
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