Era uma noite que se entitulava
de “Sombra”, mas que sob o feitiço da lua se previa que brilhasse. Uma noite
quente, sem réstia de brisa, como há muito Lisboa não presenciava. Tendo os
jardins da Torre de Belém como palco e o Rio Tejo como pano de fundo, o
espectáculo prometia o factor surpresa tanto para os habituais fãs como para os
menos metaleiros. As versões acústicas de sons habitualmente agressivos dos Moonspell, a
mistura de estilos e de artistas (Mestre António Chaínho e Madre Deus), a entrega ao choro lusitano e ao saudosismo
lisboeta. Um espectáculo de encerramento das festas de Lisboa em jeito de
despedida e um piscar de olhos ao público de todas as idades.
Ansiava por este concerto, mais
do que pelos dois anteriores, pois já sabia o que me aguardava. Ou talvez não.
As músicas já conhecidas foram surgindo, mas com a entrada do Mestre António Chaínho, a teu lado, os meus ouvidos receberam pela primeira vez, ao vivo e a cores, o arrepio das cordas do mestre que tu humildemente acompanhavas, e nos meus olhos penetrava uma imagem que não sei se de filme se de sonho, pois já não era ali que estava.
A minha memória Polaroid levou-me àquele miúdo reservado que durante as aulas invadia a minha carteira com bilhetinhos, com quem fazia gazeta às aulas de ginástica ficando nos colchões do ginásio a partilhar aventuras e desventuras, enquanto lá fora os outros jogavam voley ou corriam à volta do campo. O mesmo miúdo que não fazia a mínima ideia do que fazer no final do 12º ano, e que não aparentava a mínima intenção de se candidatar a qualquer tipo de faculdade enquanto nós, os “certinhos”, andávamos atarefadíssimos atrás da média necessária para entrar neste ou naquele curso, demasiado preocupados com as décimas e centésimas e milésimas que nos pudessem comprometer o futuro. Num qualquer rasgo de clarividência, cliquei no “pause” de toda aquela correria, fixei-te de longe ao balcão do “Borges” e pensei “este puto ainda vai longe, mais longe do que qualquer um de nós”. Todos achávamos que sabíamos perfeitamente o que queríamos e para onde íamos, tu eras o único que parecia perdido, sem norte, sem futuro, e talvez por isso desejava o teu sucesso, mais do que a qualquer outro.
As músicas já conhecidas foram surgindo, mas com a entrada do Mestre António Chaínho, a teu lado, os meus ouvidos receberam pela primeira vez, ao vivo e a cores, o arrepio das cordas do mestre que tu humildemente acompanhavas, e nos meus olhos penetrava uma imagem que não sei se de filme se de sonho, pois já não era ali que estava.
A minha memória Polaroid levou-me àquele miúdo reservado que durante as aulas invadia a minha carteira com bilhetinhos, com quem fazia gazeta às aulas de ginástica ficando nos colchões do ginásio a partilhar aventuras e desventuras, enquanto lá fora os outros jogavam voley ou corriam à volta do campo. O mesmo miúdo que não fazia a mínima ideia do que fazer no final do 12º ano, e que não aparentava a mínima intenção de se candidatar a qualquer tipo de faculdade enquanto nós, os “certinhos”, andávamos atarefadíssimos atrás da média necessária para entrar neste ou naquele curso, demasiado preocupados com as décimas e centésimas e milésimas que nos pudessem comprometer o futuro. Num qualquer rasgo de clarividência, cliquei no “pause” de toda aquela correria, fixei-te de longe ao balcão do “Borges” e pensei “este puto ainda vai longe, mais longe do que qualquer um de nós”. Todos achávamos que sabíamos perfeitamente o que queríamos e para onde íamos, tu eras o único que parecia perdido, sem norte, sem futuro, e talvez por isso desejava o teu sucesso, mais do que a qualquer outro.
Perdi-te o rasto, nem sei bem
porquê.
Vinte anos depois vim a saber, num daqueles jantares de antigos alunos patrocinado pelos encontros das novas tecnologias, que andavas em digressão, e que recentemente tinhas pisado o palco do Rock in Rio. Vi o concerto na íntegra, em directo na televisão e não te reconheci. Como poderia eu saber? Aquela longa cabeleira não existia há 20 anos atrás e impossibilitava-me de reencontrar aquele sinal no rosto que eu tanto gostava e que te distinguia dos demais.
Vinte anos depois vim a saber, num daqueles jantares de antigos alunos patrocinado pelos encontros das novas tecnologias, que andavas em digressão, e que recentemente tinhas pisado o palco do Rock in Rio. Vi o concerto na íntegra, em directo na televisão e não te reconheci. Como poderia eu saber? Aquela longa cabeleira não existia há 20 anos atrás e impossibilitava-me de reencontrar aquele sinal no rosto que eu tanto gostava e que te distinguia dos demais.
Agora, neste cenário magnífico à
beira rio, num misto de estilos e sons, esta imagem daquele menino ao lado do
grande mestre da guitarra portuguesa, enche-me o coração de orgulho e surge-me
a epifania: “eu sabia que tu ias conseguir”.
Conheço-te o suficiente para
saber que não dás asas ao protagonismo, que és demasiado reservado para te considerares
uma estrela, mas para mim foste a estrela que brilhou mais forte, nessa noite e
não só. Quantos de nós daquela turma de secundário têm o prazer de fazer aquilo
que gostam, sendo que aquilo que fazes é o sonho de qualquer adolescente?
Quantos têm o prazer de percorrer os palcos do mundo, de encantar multidões e
sentir a euforia dos fãs num tão aguardado concerto? Quantos de nós têm o seu nome na lista dos
“21 melhores guitarristas do mundo”? Quantos sabem o que se sente quando te
pedem um autógrafo ou só mais uma fotografia? Para ti é um exagero, porque não
te reconheces nesse vedetismo, mas só o facto de haver alguém, um único
desconhecido (sim, porque amigos e familiares não contam) que te admira e
reconhece o teu trabalho a esse ponto, só isso já é um grande feito.
Sei que o caminho foi longo e
sinuoso, e que a procissão ainda vai no adro. Sei que por vezes as ausências
prolongadas e o afastamento necessário daqueles que amas te enchem de saudades
que tanto te esforças para enganar. Sei que a vida de músico/artista não é um
mar de rosas, aliás, a haver flores na tua história só podiam ser Scorpion
Flowers. Mas assim ainda tem mais valor.
Tive a felicidade, para não dizer
uma sorte do catano, de ter sido tua colega, tua amiga, tua confidente, e tenho
hoje em dia o enorme privilégio de te reencontrar carregadinho de luz! Porque o
Metal não é só Sombra.