A Eutanásia é hoje debatida na Assembleia. Se eu acho que um dos quatros projectos de lei apresentados vai ser aprovado? Acho que não. Se eu acho que pelo menos um deles devia passar? Acho que sim.
Tal como na despenalização do aborto não se verificou um acréscimo de grávidas a abortar que nem loucas, nem a usar o aborto como método contraceptivo, também não me parece que agora tudo o que seja doente terminal deseje morrer. Não é assim que funciona. Não é por se despenalizar um acto que as pessoas passam a cometê-lo "à Lagardère".
Acredito que quem seja pela VIDA, continue a sê-lo mesmo que se encontre numa situação terminal, ou que tenha um familiar nessas condições. Quem entende que a VIDA só Deus no-la pode tirar, vai continuar a acreditar nisso por mais que a lei mude. E esses têm o direito de exigir mais e melhores cuidados paliativos ao nosso Serviço Nacional de Saúde. Abençoados os que têm a coragem de seguir esse caminho. Se algum dia chegar a passar por isso, espero ter a mesma força e a mesma coragem.
Já os que sentem que a VIDA é sua e que querem ter a escolha de lhe pôr um termo se assim o entenderem, também não vão mudar de ideias só por que a lei não passa. Simplesmente, vão continuar a sofrer durante meses, anos, décadas até ao dia da morte natural. Não existe um crime por Eutanásia na legislação portuguesa, mas existe o homicídio privilegiado, o homicídio a pedido da vítima e o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio, crimes esses puníveis até cinco anos de prisão. Como se não bastasse todo o sofrimento da própria doença e a tortura diária que apenas ele conhece, ainda leva com as críticas dos que acreditam no castigo divino e com a dura pena das leis.
O que hoje na Assembleia não se deve debater é se a Eutanásia vai passa a ser um hábito comum, mas sim que quem a escolher deixa de ser penalizado e castigado por isso. Hoje deve ir a debate o direito de cada um escolher o seu fim, sem estar dependente da opinião dos outros, pois só ele sabe o que está a passar. Os pró-vida não passam a ser obrigados a escolher a morte medicamente assistida só porque a lei muda, mas também não podem obrigar quem não quer a permanecer numa vida de tortura.
Se em vida fazemos as nossas escolhas, independentemente do que os outros possam pensar, por que não o podemos fazer perante o sofrimento incomensurável e a morte anunciada? Quem são os outros para decidir se essa pessoa está na disposição de continuar a sofrer ou não? Quem são os outros para decidir se ele vai ou se fica? E se ele quiser desistir? Vamos continuar a pregá-lo na cruz e a exigir que ele sofra até o corpo ceder em definitivo? Mas que raio de humanismo e amor ao próximo é esse?
Se me disserem que ainda há muito para discutir acerca de como tudo isto se vai processar, como é que o paciente deverá afirmar que pretende morrer, em que locais o poderá fazer, que deverá haver um registo clínico e um processo a decorrer com relatórios e pareceres médicos que concluam determinantemente que o paciente não tem salvação possível, e que seja um processo pensado, ponderado e não um um mero desabafo que se manda para o ar num dia mau, eu até dou de barato. Há ainda muito por decidir sobre os trâmites de uma decisão dessas, como por exemplo, o médico que segue o paciente pode recusar-se a avançar com a assistência à morte do seu próprio paciente, alegando o juramento de Hipócrates, e na verdade ninguém o pode obrigar.
Só não me venham com os argumentos fundamentalistas e religiosos sobre o direito à vida, até porque estranhamente, muitos dos que usam esses argumentos contra a Eutanásia são a favor da Pena de Morte.