O Boteco está de volta depois de umas mini-férias e nada melhor para retomarmos este projecto do que este tema inspirador.
A vida está cheia de Recomeços. Os Recomeços podem assumir diferentes formas e ocupar partes diferentes da nossa vida, tanto na vida profissional como pessoal.
Quando falamos em Recomeços no dia-a-dia, normalmente trata-se de uma mudança de carreira, um novo emprego, uma nova escola, uma nova morada, voltar ao ginásio e desta vez ficar lá mais do que seis meses, aceitar convites ou desafios interessantes, correr riscos, experimentar actividades novas e em última análise ganhar qualidade de vida.
No campo pessoal, a palavra Recomeços é fortemente ligada a um pós-divórcio e à necessidade de fazer um reset ao coração precisando de o encher com um novo amor, uma nova família.
Ao Recomeço está inevitavelmente associada alguma expectativa e esperança, a capacidade de manter a mente receptiva e os braços abertos para iniciar algo de novo. Deixar para trás algo que nos desagrada, na ânsia de que algo melhor esteja para vir.
Mas depois há Recomeços dificeis, muitos difíceis. Aqueles nos quais não acreditamos, e para os quais aparentemente não há luz ao fundo do túnel.
Nas minhas voltas quinzenais pelas pessoas sem-abrigo, deparo-me brutalmente com a situação de quem já está na rua há tanto tempo, embrulhado num conformismo tal que já não acredita que algo de bom neste mundo alguma vez lhe possa acontecer. Recomeço é uma palavra na qual já não acreditam. Já existiram várias tentativas de recomeço e o final é sempre o mesmo.
Quando os "convidamos" a sair da rua, quando lhes dizemos que mais do que distribuir comida temos um espaço onde técnicos especializados os podem ouvir e ajudar a sair da condição de sem-abrigo, que temos Centros de acolhimento onde podem tratar os seus vícios (droga, álcool) e aprender uma nova profissão, o ar incrédulo e desconfiado impera e a frustração instala-se. Não se trata de não quererem sair, apenas já não acreditam que possam largar aquilo de vez.
E esses são efectivamente os recomeços mais complicados. É uma luta enorme contra o desacreditar, uma tarefa quase inglória quando nos respondem "isso não vai dar em nada". Só não é uma tarefa inglória porque, apesar do elevado número de desacreditados, existe uma percentagem mínima que aceita a nossa ajuda.
São os que ainda têm a capacidade de sonhar e de imaginar que a vida pode e tem de ser muito mais do que aquilo. Os que acreditam que podem ser muito mais e olham para esta ajuda inicial como o pontapé de saída para que deixem de depender de caridades o resto da vida.
Seja o estar agarrado a uma relação violenta e demolidora de auto-estima, seja o estar embranhado numa depressão profunda em que o suicídio parece a única solução, seja o viver dependente de droga ou álcool numa espiral sem fim, a diferença entre abandonar, ou não, qualquer uma destas situações depende sempre no acreditar que merecemos algo mais do que isso e gostarmos de nós o suficiente para querer abraçar um novo EU. Por muita ajuda que venha de fora (familiares, amigos, associações, etc) o primeiro passo será sempre a nossa vontade de mudar.
(Este texto faz parte da colaboração da Limonada da Vida com o projecto Boteco das Tertúlias.
Um debate de ideias mensal na companhia
Bonita reflexão! Ao ler o teu texto lembrei-me que os recomeços são bons, mas muitas vezes vêm com muita dor. Beijinhos
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