terça-feira, outubro 29, 2019

Um dia triste para esta Europa

Vamos continuar a comentar o homem que foi de saia para o Parlamento, mais o outro que precisava de uma entrada especial na Assembleia, e a ignorar que esta semana em Estrasburgo se discutiu a criação de mecanismos europeus de protecção de vidas no Mediterrâneo e a proposta de salvar vidas foi chumbada por dois votos, 290 contra 288.

"Chumbada" e "salvar vidas" não deviam fazer parte da mesma frase sequer.

Nesta Europa existe a moda de se falar na necessidade de ajudar os refugiados e os imigrantes que são obrigados a sê-lo, mas quando é hora de agir é deixá-los afogar-se.


Um dia triste para esta Europa.

(Ilustração Vasco Gargalo)


terça-feira, outubro 22, 2019

Momentos que nos marcam para sempre

Longe vão as noites em que ambas estávamos acordadas de duas em duas horas, enquanto o pai e os manos dormiam profundamente. Nessas noites o meu instinto de lhe dar de mamar era automático, pois tudo o que eu queria era que ela voltasse a dormir. E chegámos a adormecer as duas naquela posição de amamentar.
Agora, tirando quando está doente, as noites têm sido relativamente tranquilas. Dou-lhe o biberon antes de me deitar e depois levanto-me uma /duas vezes a meio da noite quando ela tem o sono mais agitado para a cobrir com o edredon, porque o rebuliço é tal que se não fossem as minhas longas e dolorosas deslocações entre o meu quarto e o dela, ela passava a noite destapada.
Quando não acorda ou não se mexe como habitualmente, sou eu que lá vou espreitar se está tudo bem (silly me).
Talvez por ser sempre esta figura que está presente todas as noites desde que lhe dei vida, é o meu nome que ela repete o dia inteiro. Dia ou noite. E seja a que hora for eu estou lá.
É mãe que ela diz repetidamente assim que acorda pela manhã e que só se cala quando eu entro no quarto.
É mãe que ela chama para pedir colo quando se magoa.
É mãe que ela repete para pedir "titinho" quando lhe dá a fome de madrugada.
É a mãe que ela procura pela casa toda, quando eu ando nas minhas lides e de repente lhe bate a saudade, no intervalo dos desenhos animados.
Anda sempre à minha volta, e por isso não é difícil apanhá-la a "arrumar" a despensa, a tirar a roupa do cesto e a colocar na máquina de lavar com muito jeitinho, ou até entretida a brincar com a esfregona.
Ultimamente, quando se deita não é nenhum dos peluches que tem ao fundo da cama que ela quer para aquele aconchego de adormecer. É a mão da mãe.
- queres a coelha bailarina?
- mãe
- queres o piglet?
- mãe
- queres a ovelha?
- mãe.
- ok, queres a mãe. Então deita-te que eu dou-te a mão e fico aqui até adormeceres.
Quando começo a ficar com o braço dormente tento esgueirar-me, mas ela aperta ainda mais a minha mão e não me deixa ir. E repete, a mãaaaae!
Quando finalmente adormece e me liberto, dou-lhe um beijo de boa noite e penso que, apesar de há muito eu não ter uma noite de dormir 8 horas seguidas, esta ligação é fundamental. Para ela e para mim. Estes momentos ninguém nos tira, e são estes momentos que nos marcam para sempre.
Penso que tê-la foi uma das melhores decisões da minha vida. Penso na alegria que ela trouxe a todos nesta casa. Penso no milagre da natureza e na sorte de ela ter vindo assim saudável e perfeita. Penso na magia que ela trouxe à minha vida e que nem nos meus melhores sonhos eu imaginava voltar a ter um amor assim.
Amor de Mãe.




segunda-feira, outubro 21, 2019

Elogiar vs criticar

Numa simples troca de mensagens com uma amiga, a propósito da sua ida ao cabeleireiro, disse-lhe o quanto estava gira, aliás o quanto ela é bonita e tudo lhe fica bem. Mais pura das verdades.
Respondeu-me envergonhada:
- obrigada, assim não sei lidar com tanto elogio.
Como diz a Vivian Ward no Pretty Woman :
- "the bad stuff is easier to believe".
Estamos mais habituados à crítica do que ao elogio, e isso é triste.

Refresca o dia de alguém dizendo-lhe algo de bom:
- estás tão gira/o hoje
- fica-te bem essa cor
- gosto desse corte de cabelo
- estiveste muito bem na apresentação que fizeste
- gostei da maneira como lidaste com a situação
- és uma optima mãe/ pai
- este prato está fantástico, dás-me a receita?
- esta empresa precisava mesmo de alguém como tu. Parabéns pelo desempenho
Mas não o faças só porque sim. Sê sincero/a no que dizes.
Se tiveres dificuldade em elogiar quem te rodeia das duas uma: ou estás rodeado das pessoas erradas, ou o defeito está em ti.
Qual delas é?

segunda-feira, outubro 14, 2019

Missão que nunca se dá por terminada

Sexta-feira foi novamente dia de volta pelas pessoas sem-abrigo de Lisboa com a comunidade vida e paz.
Foi uma noite longa, dura. Acabou tarde. Já estava de rastos quando dei a missão por terminada. Se é que se pode dizer que esta missão alguma vez está terminada.
Mas mais do que isso foi uma volta que doeu na alma e me marcou. Reencontrámos um sem-abrigo que andava desaparecido há uns meses. Encontrámo-lo intoxicado, desesperado, mal educado, agressivo. Estive uns 15 minutos à conversa com ele, a levar ralhetes sobre o staff da Santa Casa e sobre as condições miseráveis em que colocam estas pessoas. Segundo ele condições que nem a um cão se oferecem. Tentei explicar que não estou ali a mando da santa casa. Sou uma mera voluntária que dispensa algum do seu tempo. Que estou ali para lhes levar algum conforto, carinho, e comida.
- Comida, chamas a isto comida? Aquele quarto para onde a santa casa me levou que nem casa de banho tinha, chamas àquilo uma casa?
Estava tão revoltado que já só dei por ele a agarrar-me a mão com força, só parou quando eu lhe disse “estás a magoar-me” e ele viu os meus colegas a saírem da carrinha. Confesso que o olhar raivoso e lunático me assustou, mas é entrar na carrinha e seguir caminho.
Mais á frente, encontramos outro SA que nos pede para não nos voltarmos a aproximar da sua tenda, pois tem um cão de combate consigo que nos pode atacar a qualquer momento. Mexe a mão entre a barriga e as calças e diz-nos ser portador de uma 9mm.
É entrar na carrinha e seguir caminho.
Já passava da uma da manhã quando encontrámos o André. 33 anos, 22 de droga, 10 de cadeia. Meigo no trato, olhar triste e cansado. Está cansado da vida de rua e da metadona, a droga substituta que o “estado lhe deu”. Tudo o que quer é uma oportunidade, um emprego, sair da rua. Falamos-lhe do apoio que a Comunidade Vida e Paz lhe pode dar. Tem saudades da mãe e do irmão mais novo, mas reconhece que eles são mais felizes se ele não estiver por perto. Tem pena de já não ser motivo de orgulho para nenhum dos dois e não sabe se alguma vez na vida vai voltar a sê-lo. Quer uma vida, uma família, mulher e filhos. Despede-se de nós com um olhar de esperança, prometendo que na próxima segunda feira, logo pela manhã, vai ao nosso Espaço Aberto ao Diálogo pedir ajuda.
Foi o André quem me fez sentir que valeu a pena ter saído de casa para fazer esta volta. São situações como a do André que me fazem acreditar que ainda há pessoas que vale a pena ajudar. Sim, porque nem todos querem deixar a rua. Mas, basta que um queira. Basta que um consiga, para que tudo isto valha a pena.


sexta-feira, outubro 11, 2019

A idade traz destas coisas

O meu aniversário já foi há dois dias, mas preciso de deixar aqui este registo em jeito de balanço.

Dizem que nativos de Balança ♎️ são românticos, elegantes, delicados, diplomáticos, que procuram incessantemente o equilíbrio.
Não sei se sou tudo isso, mas gosto sem dúvida de equilíbrio. Preciso de equilíbrio e de estabilidade, apesar de ter noção que foi graças aos momentos de desequilíbrio que me desconstroí e me recriei.
Foi nos momentos de mudança que me elevei.
Foi nos momentos de ruptura que me descobri e reinventei.
Tempos houve em que o novo me fazia tremer e a ansiedade tomava conta de mim como água numa fissura.
Mas se há coisa que a idade tem de bom é o aprendermos que o novo pode ser maravilhoso. O diferente oferece-nos experiências, dá-nos escolhas, acrescenta-nos currículo e obriga-nos a viver. E o viver apresenta-nos a serenidade.
O novo traz emoções que o conformismo desconhece.
Hoje, ao fazer 44 anos, o novo já não me mete medo. Continuo a precisar de equilíbrio e estabilidade, mas já num outro patamar. Equilíbrio sem conformismo, equilíbrio com uma pitada de adrenalina, com vontade de abraçar o tanto que a vida tem. Equilíbrio que não signifique estagnar, mas sim descobrir, viajar, aprender, conhecer, amar, abraçar e sorrir.
Equilíbrio não é ser amigo de todos, mas sim de quem dança o mesmo tango, de quem nos dá colo, de quem nos respeita, de quem preza a nossa companhia, de quem mesmo não sendo de sangue nos acolhe.
Equilíbrio não é aceitar tudo o que nos impingem, mas saber escolher e agarrar o que nos faz bem.
Equilíbrio é arriscar ser feliz. Arriscar-sentir-amar-sorrir como se fossem todos um verbo só.
É aproveitar cada dia porque o amanhã é magia.