quinta-feira, março 29, 2018

A Páscoa da minha infância

Da Páscoa da minha infância lembro-me de visitarmos os meus avós na terra do meu pai onde as tradições religiosas são fortíssimas.
Onde, no Domingo de Páscoa, as pessoas vestiam o melhor trapinho que tinham e cuidavam da casa para receber a visita do Padre e a sua cruz.
Lembro-me de a minha avó trocar o avental pela única camisa branca com gola de renda que tinha e de decorar a mesa da sala com rebuçados embrulhados em papel colorido que mal me cabiam na boca de tão grandes que eram.
Nessa mesa estavam várias iguarias para o sr. Padre e para quem mais viesse, pois a porta de casa estava aberta para todos. Era uma mesa farta para uma visita tão curta, pois o sr. Padre tinha mais capelinhas para visitar e outros petiscos para se lambuzar. Lembro-me de pensar que o mais certo seria os dentes do sr. Padre apodrecerem no dia seguinte com tanta guloseima. Era o compensar 40 dias de jejum com o excesso.
Lembro-me de a minha avó dar dinheiro ao sr. Padre e eu não entendia o porquê. Quando lhe perguntava ela dizia que era para o Sr. Padre distribuir por quem mais precisasse. A minha avó deslocava-se a pé, vivia numa casa de pedra com chão de madeira cheio de buracos, ela e o meu avô sustentavam-se com aquilo que cultivavam e do rendimento de duas vacas cor-de-mel, e eu pensava para os meus botões "então e esse dinheiro não te faz falta a ti, avó?"
Lembro-me do meu pai fingir que beijava a cruz, tal era o nojo de todas as bocas que por lá tinham passado, e de me dizer baixinho "sei lá por onde é que aquilo já andou...".

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